Na viagem a Lisboa, feita em março deste ano, eu e o Élcio estávamos crentes que um dia da nossa estadia na capital portuguesa seria suficiente para dar uma escapada até a cidade do Porto. Destemidos, tínhamos certeza de que conseguiríamos planejar o roteiro na última hora e de que seguiríamos a jornada pela Cidade Invicta (como é conhecida Porto) de acordo com o que nos desse na telha. Mas nossa ousadia foi desalentada ao descobrirmos que ir lá não é tão simples assim. A cidade fica um pouco distante de Lisboa, e um dia apenas não seria bastante para cumprir um roteiro satisfatório, considerando o tempo gasto nas viagens de ida e de volta e nos deslocamentos entre uma atração e outra. Enfim, anulamos Porto, e, mais que imediatamente, o Élcio começou a procurar por uma cidade portuguesa que pudéssemos conhecer numa viagem bate-volta. A pesquisa não foi fácil, mas meu amigo teve a brilhante ideia de ir a Coimbra. A princípio, eu não esperava muita coisa de lá. Contudo, ao final do passeio, encontrei-me enfeitiçado por tanta beleza e cultura. Ela destaca-se por ser uma cidade historicamente universitária, o que lhe rende os apelidos de Cidade do Conhecimento e Cidade dos Estudantes. Toda essa denominação se deve à Universidade de Coimbra, uma das mais antigas e mais prestigiadas universidades da Europa.
Partindo de Lisboa, a viagem a Coimbra pode ser feita de trem ou de ônibus. Escolhemos a segunda opção, que é bem mais barata, custando 14,5 € (ida e volta tem 10% de desconto). O trajeto demora cerca de duas horas e meia, pouco mais que o percurso de trem. A rodoviária de Lisboa fica ao lado do metrô Jardim Zoológico (antiga estação Sete Rios). Para chegar até ela, basta sair do metrô pela Rua Professor Lima Basto e se dirigir à passarela sinalizada pela placa “Terminal Rodoviário”. Embarcamos para Coimbra no ônibus das 8h30. Ah, o ônibus tem wi-fi, e a conexão é excelente!
Chegamos a Coimbra às 11h. Assim que desembarcamos na Rodoviária da Beira Litoral, tomamos um café e seguimos caminhando em direção ao centro histórico. Esse início de jornada foi recepcionado por belas laranjeiras sobrecarregadas, na Av. Fernão de Magalhães.
O Élcio não resistiu à tentação e foi correndo colher um fruto. Passou poucos segundos se decidindo entre uma laranja e outra, tempo suficiente para que alguém com o mínimo de bom senso – eu – repreendesse seu ato. Se assim como ele você critica minha advertência, pensemos menos com a barriga e mais com a cabeça. Em primeiro lugar, não se faz usufruto daquilo que não lhe foi oferecido, principalmente em terras desconhecidas. Sua avó cansou de lhe dizer que o que é seu é seu e o que é dos outros é dos outros. Se não se comove com isso, saiba que Santo Agostinho se culpou até a morte por ter vandalizado uma pereira alheia aos 16 anos. Em segundo lugar, se o pé estava carregado, é de se deduzir que ninguém teria pegado uma laranja, logo poderia haver algo de errado com elas (acidez excessiva, bichos etc.). Por fim, se a esmola é boa demais, desconfie. Numa dessas, Branca de Neve quase bateu as botas e Adão e Eva ferraram o resto da existência humana. Esse meu zelo (moralismo) quase excessivo só foi desbaratado horas mais tarde, quando uma garçonete coimbrense concluiu que se a fruta está à disposição, que seja colhida a ser desperdiçada.
Chegamos à nossa primeira atração em Coimbra, a Praça 8 de Maio.
Na praça, destaca-se o Mosteiro de Santa Cruz, fundado em 1131 pela Ordem dos Cônegos Regrantes de Santo Agostinho, instituição que recebeu muitos privilégios papais e doações dos primeiros reis de Portugal. Nele, estão sepultados D. Afonso Henriques e D. Sancho I.
Anexo ao mosteiro, está o Café de Santa Cruz, um dos restaurantes mais tradicionais da cidade. Seu edifício foi construído em 1530 para abrigar a Igreja de São João de Santa Cruz, que funcionou ali até 1834. Depois disso, o prédio foi utilizado como armazém, delegacia de polícia, sede do corpo de bombeiros e até mesmo casa funerária. O café foi inaugurado somente em 8 de maio de 1923. Entramos para conhecê-lo, quiçá tomar um cafezinho. Porém, feito jacus, ficamos com medo de saber os preços e deixamos o estabelecimento.
Circulamos o quarteirão do mosteiro, passando pelo belíssimo Jardim da Manga, uma das primeiras obras arquitetônicas renascentistas de Portugal.
Eu poderia dizer que o jardim encontrava-se impecavelmente limpo, não fosse a funesta garrafa de água mineral da marca Penacova que encontrei no chão (perco um leitor, mas não perco a piada).
Em seguida, rumamos pela Rua Visconde da Luz em direção à Praça do Comércio.
Nessa praça, está a Igreja de São Tiago, construída entre o final do século 12 e início do século 13. Embora seja pequena, a robustez arquitetônica do estilo românico confere a ela certa monumentalidade.
Atravessamos a Praça do Comércio e paramos na Igreja de São Bartolomeu, onde fizemos uma visita bem rápida. Segundo documentos, foi construída no século 10, sendo reedificada nos séculos 12 e 18.
Atrás da São Bartolomeu, no encontro das ruas Sargento-Mor, dos Gatos e Adro de Cima, encontra-se um estreito edifício de três andares com fachada desnivelada, paredes descascadas e um pequeno comércio de artesanato e souvenirs. Trata-se de uma casa medieval.
Dali, seguimos em direção ao Rio Mondego, passando no Largo da Portagem.
Atravessamos o rio pela Ponte de Santa Clara e nos dirigimos ao Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. No caminho, fomos abordados por tantas outras laranjeiras satânicas, dessa vez plantadas no lado de dentro dos muros de algumas propriedades privadas, o que fazia delas ainda mais tentadoras. Diferentemente de Joãozinho e Maria, ignoramos a oferta e continuamos nosso percurso até o mosteiro.
O Mosteiro de Santa Clara-a-Velha data do final do século 13. Durante muito tempo, acolheu as Irmãs Clarissas, que ali viviam em clausura. Ao longo dos séculos, sofreu sucessivos alagamentos provocados pelas cheias do Mondego, sendo abandonado definitivamente pelas religiosas em 1677. Sua edificação, que hoje encontra-se em ruínas, faz parte um centro cultural composto de um museu, um auditório, salas de exposições, uma loja e uma cafeteria.
Tão belo quanto o complexo do mosteiro é o panorama que ele oferece de Coimbra, especialmente a parte situada no outro lado do Mondego.
Para informar-se sobre horários e datas de visita ao mosteiro, bem como preços de ingressos, acesse santaclaraavelha.drcc.pt.
Deixamos o Santa Clara-a-Velha, passamos pelo Parque do Choupalinho e continuamos nosso trajeto em uma caminhada rente ao Mondego pela Praça da Canção, uma imensa área destinada a shows e concertos.
Daquele ponto, a cidade mostra-se em sua melhor forma. É algo hipnotizante! Impossível não se encantar com o amontoado arquitetônico que se inicia na imagem refletida no rio e culmina coroado pela Universidade de Coimbra.
Retornamos à Ponte de Santa Clara, atravessamos o Mondego e subimos em direção à universidade.
A poucos metros da Universidade de Coimbra, na Rua de Couraça de Lisboa, 30, encontra-se um restaurante chamado Café Couraça, de aparência popular, com pouco ou nenhum apelo estético (pelo menos por fora). Contudo, como mosquitos para a luz, fomos atraídos para dentro do estabelecimento. Sim, era hora de almoçar e estávamos famintos, mas havia algo de muito especial naquele lugar que chamava nossa atenção. Frequentado por pessoas de todas as idades, entre a clientela destacavam-se vários grupos de universitários. Havia engomadinhos, nerds, hipsters, descabelados – provavelmente estudantes de comunicação – e féxions. Mas quase nenhum tinha pinta de malandro. Davam a impressão de que suas notas oscilavam na média de 87 pontos em 100. Pelos olhares distantes e preocupados, testas franzidas, posturas descontraídas ou cervejas à mesa, era possível distinguir a relação de cada um com os estudos (tipifico eu). Embora eu não tenha lembranças marcantes da minha época de faculdade, a aura do Café Couraça me trazia um sentimento muito bacana. Creio que o Élcio, cabeção cdf que é, sentiu isso muito mais do que eu. Enfim, a comida estava ótima e os preços também. E para os mais festeiros, de acordo com o que vi na página do Facebook do Café Couraça, o local parece oferecer uma atividade noturna bem badalada.
De estômagos cheios, seguimos para a Universidade de Coimbra (UC). Fundada em 1290, em Lisboa, sua sede alternou entre Coimbra e a capital portuguesa por várias vezes. Somente em 1537, por ordem do rei D. João III, foi transferida definitivamente para sua localização atual. Seus cursos estão distribuídos entre oito faculdades diferentes, nas quais são oferecidos todos os graus acadêmicos em arquitetura, pedagogia, engenharia, direito, matemática, medicina, psicologia, educação física e ciências humanas, naturais e sociais.
No campus, começamos a visita pela Biblioteca Joanina. Uma pena não poder fotografar lá dentro, pois aquele é o lugar mais formidável de Coimbra. Tenho dúvidas quanto ao nível de concentração dos que ali estudam. Como conseguem raciocinar rodeados por uma inexplicável beleza arquitetônica?! Construída entre 1717 e 1728, seu edifício possui três magníficos andares, os quais abrigam cerca de 200.000 volumes.
Deixamos a biblioteca e nos dirigimos à Capela de São Miguel, construída no início do século 16 em substituição a uma anterior, provavelmente do século 12. Mais uma vez, peguei-me petrificado diante de tanta beleza. É improvável alguém não se encantar com sua decoração no estilo manuelino, marcada por uma profusão fascinante de formas e texturas. Infelizmente, ali também não se pode fotografar, assim como no restante dos espaços internos da universidade.
Da capela, seguimos para a Faculdade de Direito. O que mais chamou nossa atenção foram suas salas de aula, que mantêm o mobiliário tradicionalmente preservado, ainda em uso. Não sei de que época datam, mas senti-me transportado a décadas, talvez séculos atrás.
Embora não seja o espaço mais belo da Universidade de Coimbra, a Sala dos Capelos e as salas do Exame Privado e das Armas são o ponto alto da visita. A Sala dos Capelos é o coração da UC, onde ocorrem as cerimônias solenes. Chega a ser assustadora, pois é o local onde as teses de doutorado são defendidas. E parecia estar prestes a sediar uma defesa, pois, em meio a toda a exuberância de sua decoração clássica, havia um notebook e um data show ligados. Acho até que vi a mocinha que seria engolida pela banca ensaiando seus argumentos no pátio da universidade. Ela trajava vestes talares e andava tensa de um lado para o outro.
No espaço em que se encontram a Sala dos Capelos e as salas do Exame Privado e das Armas, existe uma varanda com uma vista magnífica para a cidade.
Por fim, visitamos a Prisão Acadêmica, encerrando nosso tour pela Universidade de Coimbra, atração obrigatória para quem passa pela cidade.
Para informações sobre visitas turísticas à UC, acesse visit.uc.pt.
A próxima atração seria a Sé Nova de Coimbra, que visitamos somente por fora. Vizinho à universidade, esse templo foi erguido para abrigar a Igreja do Colégio dos Jesuítas. Sua construção foi bastante lenta, sendo iniciada em 1598 e concluída em 1640. Pior que a morosidade de suas obras foi a data da inauguração: 1698.
À direita da Sé Nova, está o Museu Nacional de Machado de Castro. Seu acervo de 15.000 peças é constituído, essencialmente, pelos bens das extintas casas religiosas de Coimbra, além dos doados por proprietários particulares e dos adquiridas pelo estado. Suas exposição está dividida entre esculturas, pinturas, desenhos, ourivesaria, cerâmicas, mobiliários e peças e espaços arqueológicos.
Honestamente, eu não esperava muito do museu, mas fui surpreendido em vários aspectos. Sua exposição, indubitavelmente espetacular, encontra-se distribuída em diversas salas bem estruturadas. O trajeto é cuidadosamente orientado pelos funcionários do museu, todos muito gentis e dispostos em ajudar, motivando os visitantes a conhecer cada canto do complexo. Cinco estrelas para o Machado de Castro!
O museu fica aberto de terça a domingo. De outubro a março, funciona das 10h às 12h30 e das 14h às 18h. De abril a setembro, das 10h às 18h.
Do Machado de Castro, descemos dois quarteirões pela Rua Borges Carneiro até chegarmos à Sé Velha de Coimbra, um dos edifícios em estilo românico mais importantes do país. Sua construção iniciou-se após a Batalha de Ourique, em 1139, quando Afonso Henriques se declarou rei de Portugal – ele foi o primeiro – e escolheu Coimbra como capital do seu reino.
Tomamos um café em um bar de frente para a Sé Velha. Em seguida, iniciamos uma caminhada pelas redondezas. Descemos a Rua de Quebra Costas, passamos pelo Arco de Almedina e pela Porta da Barbacã e aos poucos fomos nos despedindo dessa adorável cidade.
Não ir à cidade do Porto foi meio frustrante, mas Coimbra compensou essa desilusão em dobro, concedendo-nos um passeio delicioso. Ainda continuo não entendendo o que tanto me encantou na cidade. Conjecturando, eu poderia listar os panoramas maravilhosos, o espírito universitário, a bela exposição do Machado de Castro, as igrejas tão antigas e tão conservadas, as ruelas desordenadas, as laranjeiras tentadoras… enfim, o rol seria grande! Obviamente, o conjunto encanta, como acontece em qualquer outra cidade repleta de atrações. Contudo, tem algo que se destaca em Coimbra e tomara que eu nunca descubra o que é. Para mim, essa é a essência do turismo: apaixonar-se por um lugar aparentemente sem motivo – mesmo que os motivos sejam infindáveis –, incitando o afã de retornar. Apaixonado, pois, a Coimbra retornarei.
contato@fuievouvoltar.com
Deu vontade de voltar mesmo!
Volta, então! A TAP Ajuda, rsrssr! Abç!
Como sempre, excelente o seu roteiro. Mas volte e vá ao Porto que vai ficar também encantado.
Muito obrigado, Rogélia 🙂 Com certeza, Porto é destino certo para mim! Tenho uma amiga que vai à sua cidade umas quatro vezes ao ano. Ela ama o Porto e também insiste para que eu vá lá o mais rápido possível.
Abraço e até a próxima!